logo RCN
NOTÍCIAS

Cientistas investigam como espiritualidade pode ajudar a saúde do corpo

  • Getty Images - No Brasil, instituições respeitadas têm se dedicado a estudar o quanto a espiritualidade do paciente auxilia na cura de doenças físicas e psíquicas

Raiva, rancor, orgulho, medo, egoísmo. Sentimentos comuns a todos os seres humanos podem estar no cerne de boa parte das doenças enfrentadas pela humanidade, segundo a própria medicina. Várias instituições no Brasil e no mundo vêm se dedicando a estudar até que ponto a saúde do indivíduo é influenciada, literalmente, pelo seu estado de espírito.

No país, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP, por meio do Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (Proser), e a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com o Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde (Nupes), têm investigado o quanto a espiritualidade (não necessariamente a religiosidade) do paciente auxilia na cura de doenças físicas e psíquicas - que podem ser agravadas a partir de sentimentos ruins e pensamentos destrutivos.

Nos Estados Unidos, grandes instituições de ensino como a Escola de Medicina de Stanford, as Universidades Duke, a da Flórida, a do Texas e Columbia mantêm centros de estudos exclusivos sobre o assunto, assim como a Universidade de Munique, na Alemanha, a de Calgary, no Canadá, e o Royal College of Psychiatrists, no Reino Unido. Para os centros de pesquisa, há um conjunto de evidências que indicam que diversas expressões da espiritualidade têm impacto significativo na saúde e no bem-estar, associadas a menores níveis de mortalidade, depressão, suicídio, uso de drogas, ou mesmo internações e medicamentos.

As instituições ressaltam que espiritualidade é diferente de religião: em tese, uma pessoa religiosa é espiritualizada; mas alguém espiritualizado não necessariamente segue uma religião - e pode até não acreditar em Deus. A espiritualidade estaria ligada à busca pessoal de um propósito de vida e de uma transcendência, envolvendo também as relações com a família, a sociedade e o ambiente.

Perdão e gratidão no controle da pressão arterial

"A espiritualidade é um estado mental e emocional que norteia atitudes, pensamentos, ações e reações nas circunstâncias da vida de relacionamento, sendo passível de observação e mensuração científica", diz o médico Álvaro Avezum Júnior, diretor da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), professor do centro de cardiopneumologia da USP e do programa de doutorado do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

Segundo ele, a espiritualidade é expressa através de crenças, valores, tradições e práticas. "Quem tem menos disposição ao perdão está mais disponível a enfrentar enfermidades coronárias", diz o especialista, que também é diretor do Centro Internacional de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Da mesma maneira, diz, a raiva acumulada pode levar à diabetes.

Avezum é um dos principais estudiosos do país da relação entre espiritualidade e saúde. Esteve à frente da iniciativa da SBC em publicar, há dois anos, as Diretrizes Brasileiras Sobre Espiritualidade e Fatores Psicossociais, que integram o conjunto de prevenção cardiovascular. "A SBC foi a primeira sociedade de cardiologia do mundo a associar enfermidade moral a doença cardíaca, a partir de evidências científicas", diz.

Segundo ele, com intervenções baseadas em perdão e gratidão é possível controlar, por exemplo, a pressão arterial. "Mas não um perdão condicional, que mantém o ressentimento, e sim um perdão emocional, que muda o que se sente em relação ao agressor", afirma.

Agora seus estudos buscam ir além e entender a origem da doença. "Queremos mostrar que é possível prevenir a doença tratando a espiritualidade primeiro, por meio do perdão e da gratidão, além de reforçar outras atitudes positivas como solidariedade, compaixão, humildade, paciência, confiança e otimismo", diz ele, que não se importa com eventuais céticos no meio científico. "Se alguém diz que isto não é ciência está sendo dogmático, porque escolhe o que investigar".

Até 2019, antes da pandemia do novo coronavírus, as doenças cardíacas eram a principal causa de morte entre adultos no Brasil. Foram 116.766 óbitos em 2019 relacionados aos males do coração, informa o Ministério da Saúde. Segundo Avezum, já existem artigos e estudos sobre espiritualidade e covid-19 no mundo (eram 110 até o último dia 25 de abril, segundo registros do buscador PubMed, da National Library of Medicine, dos Estados Unidos). Mas os resultados ainda são inconclusivos, diz.

"Para combater o coronavírus, o melhor é não se expor e se valer da religiosidade e da fé para enfrentar os desafios do isolamento social", afirma.

"Vou morrer, doutor?"

O interesse de Avezum no tema começou com o trabalho da médica americana Christina Puchalski que, desde 1996, procura inserir o componente espiritual no cuidado com os pacientes. Christina dirige o Instituto George Washington para Espiritualidade e Saúde (GWish), da Universidade George Washington. Ela defende que os médicos levantem o histórico espiritual do paciente para entendê-lo de forma integral. O objetivo é identificar as crenças e valores que realmente importam ao indivíduo, e como isso atua na forma como ele lida com a doença.

"Se o paciente acredita que a meditação o acalma, o médico deve ter essa informação em mãos e recomendar que ele mantenha a prática, ao mesmo tempo em que toma a medicação", diz o médico Frederico Leão, coordenador do Proser do IPq. "É preciso adotar a prática espiritual que esteja em harmonia com as crenças de cada um, porque isso vai contribuir para o tratamento".

Pesquisar o impacto dessas práticas na saúde mental dos pacientes é o foco do IPq, que também promove cursos sobre como o abordar o tema nos consultórios.

Segundo Leão, até o início dos anos 2000, os médicos tinham muito receio em falar sobre o assunto, mesmo sendo o Brasil um país onde mais de 80% da população se declara cristã. "Muitos não sabiam - e talvez ainda não saibam - como fazer essa abordagem", diz ele. "É o caso do cirurgião que, antes da cirurgia, pede para rezar um Pai Nosso com toda a equipe e o paciente questiona: 'Por que isso, doutor, vou morrer?'".

Leão destaca as pesquisas do psiquiatra americano Harold Koenig, da Universidade Duke, para quem negligenciar a dimensão espiritual do paciente é como ignorar o seu aspecto social ou psicológico, ou seja, ele não é tratado de forma integral. "Koenig constatou que o pensamento positivo, a meditação e a oração não afetam só a mente, mas o organismo como um todo", afirma Leão, para quem essas práticas se tornam ainda mais essenciais em tempos de pandemia do novo coronavírus. "Só os muito alienados não estão revendo seu padrão de vida neste momento".

Pânico e ressentimento

Helma Gonçalves do Nascimento Martins acordou se sentindo estranha naquela sexta-feira, 8 de janeiro. Aos 48 anos, a fisioterapeuta achou que a dor e o cansaço eram resultado do treino cardiovascular feito na véspera. Mas os sintomas do novo coronavírus vieram com força. "Tive febre, dor no corpo, perda de olfato, era um sintoma novo a cada quatro horas", diz. "Me faltava ar até para tomar um copo d'água". Com o marido e a filha caçula em casa, ela se isolou no quarto da criança. E aí teve início o pior dos sintomas: o pânico.

"A ansiedade bateu muito forte, era o medo da morte a todo instante, não conseguia pensar em outra coisa, achava que eu não ia aguentar", diz ela, que foi monitorada pelo seu médico durante os 14 dias de tratamento. "Ele me dizia: 'Estou 100% com você, a gente vai vencer este vírus', e eu procurava acreditar. É uma doença em que você sente a morte ao seu lado e precisa estar sozinha".

O pior da covid-19 passou nos primeiros dez dias. Mas os sintomas continuaram por mais de um mês. "Eu sentia uma fraqueza muscular imensa, tontura", diz.

O tratamento com remédios foi encerrado e Helma começou a ser atendida pela tia do marido, uma terapeuta holística. Ela lhe aplicava massagens e passes de reiki. "Aquilo fortaleceu o meu espírito. Comecei a me sentir bem melhor e um mês depois já voltei a trabalhar o dia todo", afirma. Evangélica, ela acredita que a espiritualidade a ajudou na recuperação. "Você quer lutar, quer sobreviver e vem uma força, que você não sabe bem de onde, e te ajuda a buscar a luz em meio ao pânico, a superar os sentimentos ruins". Para ela, suas doenças foram agravadas pelo seu estado emocional. "Três meses antes do coronavírus, em outubro, sofri uma angina, um pré-infarto. Enfrentava uma crise conjugal e não conseguia perdoar. Depois, passei a ficar desesperada em relação ao futuro, ao trabalho, por conta da pandemia. A falta de perdão e de fé me abalaram demais".

O psicólogo Laerson Cândido de Oliveira ressalta o valor do amor, da oração, da positividade e da fé no futuro. "Costumamos ter muita solidariedade em relação a quem está distante de nós, a quem não conhecemos, mas somos incapazes de perdoar as menores faltas cometidas por pessoas do nosso convívio", diz ele, que dirige o Instituto Espírita Cidadão do Mundo (IECIM), em São Paulo.

Segundo ele, o ódio e o ressentimento aprisionam o indivíduo, levando-o a um estado doentio, enquanto o medo e o egoísmo paralisam impulsos positivos, no sentido de auxílio ao próximo.

Contra o negacionismo

As práticas de massagem (ayurveda) e reiki, usadas por Helma no tratamento das sequelas da covid-19, integram a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPICs), adotada em 2006 pelo Ministério da Saúde. Hoje, a PNPICs engloba 29 recursos terapêuticos - muitos baseados em conhecimentos tradicionais como acupuntura, ioga, meditação, fitoterapia, homeopatia e quiropraxia, e outros mais recentes, como ozonioterapia e biodança. Atualmente, são oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 54% dos municípios do país.

A adoção da PNPICs segue orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) que, em 1988, incluiu a dimensão espiritual no conceito de saúde multidimensional. Para a organização, espiritualidade é "o conjunto de todas as emoções e convicções de natureza não material, com a suposição de que há mais no viver do que pode ser percebido ou plenamente compreendido, remetendo a questões como o significado e sentido da vida, não se limitando a qualquer tipo específico de crença ou prática religiosa".

"A PNPICs pode fazer a grande diferença para a saúde da população, ao valorizar o conhecimento tradicional, as culturas regionais, amparada no aculturamento espiritualista, sobretudo a um baixo custo", diz o neurocientista Sérgio Felipe de Oliveira. "É a possibilidade de diálogo com a população", prossegue ele, para quem o diálogo entre ciência e espiritualidade nunca foi tão urgente.

"A ciência não pode se fechar em cima de si mesma, em um conhecimento hermético. Ela precisa ouvir e conversar com a população. Senão, quando nós precisamos da ciência, o povo não ouve. Aí surgem o negacionismo e as fake news", diz ele, que entre 2007 e 2014 ministrou a disciplina optativa Medicina e Espiritualidade na Faculdade de Medicina na USP.

Para Sergio Felipe, é fundamental que o médico crie uma relação de empatia com o paciente. "Tanto o povo brasileiro quanto o americano são religiosos, acreditam na força da oração e na proteção de Deus. O médico precisa valorizar a dimensão espiritual do paciente para integrá-la ao tratamento", afirma.

É neste sentido, por exemplo, que o médico deve explicar que o paciente não pode estar estressado quando for tomar o medicamento, porque a adrenalina vai atrapalhar a sua eficácia. "O estado de espírito do indivíduo interfere na farmacocinética, ou seja, na absorção e distribuição do remédio no organismo", diz. "Se a oração e a fé do paciente podem acalmá-lo, isso será importante para que a medicação surta efeito".(BBC)

SC tem 15 regiões em risco gravíssimo para Covid Anterior

SC tem 15 regiões em risco gravíssimo para Covid

Dia 25 tem mutirão de emprego no Jardim Paraíso Próximo

Dia 25 tem mutirão de emprego no Jardim Paraíso

Deixe seu comentário